"À porta, uma mulher cujas rugas a denunciavam vir de muitos anos e muitas fomes. Trazia os olhos opacos, e seu corpo raquítico, apoiados na coluna de concreto, me pareceu tão frágil que possivelmente se desfaria em pó se eu ousasse tocá-lo.
- Tem sanduíche? - indaguei.
Permaneceu imóvel, como se ali estivesse há séculos. Continuou a fitar o ônibus, nave espacial pousada naquele ermo onde, com certeza, o inusitado fazia-se corriqueiro. Ainda que desembarcassem hipopótamos de fraque e cartola creio que ela prosseguiria confinada à catalepsia. Insisti no pedido.
Sem me olhar, murmurou:
- Meu filho, aqui nem pão tem, quanto mais o que pôr dentro."
(Frei Betto - A mosca azul)
Data: 13 de fevereiro de 2007 – 01:35