domingo, 15 de novembro de 2009

Natal (2006)

Dezembro de 2006


E de repente chegou o Natal.
Já passou tudo o que tinha que passar.
Veio aniversário, veio viagem, veio Páscoa, veio transferência da faculdade. Teve emprego velho e também novo. Teve choro, teve dor, teve gargalhada. Muitas vitórias, muitos sustos, muitos sorrisos e muitas saudades. Muito sono, muito estudo, muitas provas, muitas fotos. Muito som e muito silêncio. Muita gente, muito bolo, muitos abraços. Muita chegada e muita partida. Pouco telefone, pouco sobrenome, pouco tempo e muita ternura. Muita trilha e pouca lua. Poucas compras, muita gordura, pouca TV e muita pintura.
Todos os passos e todos os enlaços que retorcem as diretrizes das calçadas.
Todas as buzinas e as muitas gasolinas que consomem o colorido do Natal.
Toda pressa, todo o projeto e todas as benfeitorias no papel.
Acorda-se correndo, compra-se correndo e saboreia-se as nuvens de aluguel.
As muitas notas, as muitas cotas e a estrela que mal brilhou.
Estão todos emancipados, todos encurralados entre o verde-escuro e a glória da caridade.
Tem de tudo: promoção de beijos, gincanas de perdão, pingos de alegria e sorrisos por compaixão.
Há um que se perde meio tamanha manifestação e mal se lembra se é janeiro ou se é verão.
Tudo se agita: gorro, árvores, sacolas e filhos da escravidão.
Nada se reconstrói: são as cinzas em vão, as palmas da mão e as notícias da televisão.
Estamos todos aglomerados: os educados unidos aos sem coração. Os marajás e os que não tem pedaço de pão.
Aos poucos, engole-se a saliva, os sinos, as abelhas e a contra-mão.
Perdemos o redondo, perdemos o degrau e esculpimos a descomposta nação.
Alcançamos o telhado, alcançamos o tom aguado, muito brilho e nenhuma retidão.
Já se foram as bicicletas, já se foram as petecas e os piques em frente de casa.
Estão todos colados: o fiel indigente ao narciso de estimação.
Vamos todos na mesma correnteza: sabonete, mamão, uma prenda e a escuridão.
Desconhecemos o lodo, extraímos do poço um pouco do branco e as esferas da coleção.
Desfigura a história, e alguém cospe na memória, enquanto tudo esvai-se e derrama pelos ouvidos, pela areia, pela aurora e pelo tufão.
Somos todos filhos. Somos todos pais. Alguéns sem retirantes e repletos de atrofiados diamantes.
Um dia, sem que ninguém perceba, tudo acaba. Sua gravata vira nada. Sua postura vira nada. Sua formosura vira nada.
Você é apenas mais um, no meio de toda espécie empipocada.
É quando você abre os olhos e nota tudo que se evapora.
Já se foram os livros, já se foram as fotografias. Se foram os brincos, os cintos, os telefones e as cobranças.
Você perdeu a agenda, a encomenda, o feijão, os CDs e as máquinas de toda ocasião.
Acabaram os desfiles, as vitrines, a carteira e o mercado.
Já voaram os bonecos, os patins, as raquetes, o vinho e o carrinho de mão.
O nada também é o carro, o bombom, o porta-retrato, as panelas e as chaves do portão.
Está apenas o branco, o violino, o sorriso e a unção.
Não é mais importante se tem árvore ou cheiro de capim-limão.
Estamos apenas eu e Ele.
Ouço a paz, as promessas e a devoção.
É muita luz, muito amor e muita gratidão.
Sem pesar, eu suplico: quero isso. Quero ver-Te.
Ele me mostra as mãos. Me mostra Sua riqueza, Sua criação e as dádivas espalhadas pelos Seus.
É tudo indefinido e submerso como a pluma da relva que cobre o chão.
E é tudo isso que se faz tão subjetivo, que envolve a minha alma, e cala meu pranto de tempestades e de gritos do sertão.
Tudo aquilo que não se move, mas se modifica. Tudo aquilo que não se vê, mas se crê.
E aí está a essência diária, massacrada por todo fim de ano: eu e o Pai. O Pai, com Seu filho amado.
E um espírito que mais do que santo, se faz milagre dentro de gente. Gente que pode ser simplesmente gente em todos os Natais. Natais que podem proliferar contentamento e fé.
Fé que lava todas as lágrimas e recolhe cada sorriso de todo o dia que brota, concedido pela Fonte da Vida.

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